Mais do que medo, solidão. Somos um animal gregário.
Essa falta que a maioria das pessoas sente das outras, na situação de confinamento que atravessamos, me faz pensar num mito grego que explica por que isso é assim. Como a linguagem do mito é sempre simbólica, se adapta a todos os tempos e situações, ou seja, é universal.
No diálogo “Protágoras”, Platão recorre a uma alegoria (um mito) para dizer por que não podemos viver sozinhos. A história é a seguinte : na hora de distribuir as virtudes aos animais, os Imortais (Deuses) encarregaram Prometeu de dar a cada espécie a qualidade que os ajudaria a sobreviver (em grego, aretê, virtude, excelência). Mas Epimeteu, o irmão de Prometeu, pediu a ele para fazer a distribuição, combinando que no final o outro examinaria o que ele tinha feito.
E foi dando as qualidades aos animais a torto e a direito : a força para uma espécie, o tamanho avantajado para outra, a capacidade de voar para uma, a resistência para outra, pelos para proteger do frio para uma, penas para outra etc. etc.
Quando chegou ao fim da fila, lá estava a espécie humana e já não sobrava nenhuma qualidade vital. O coitado do Homem não seria nem forte, nem voaria, nem seria resistente, nem grandão, nem teria nada para protegê-lo dos outros animais.
Prometeu interveio e pediu aos Deuses que ajudassem os pobres e frágeis humanos. Zeus concordou, para que eles não sumissem logo do mapa. O presente divino aos Homens foi a necessidade de viver juntos, em sociedade. Para sobreviver, eles teriam que se unir e assim se proteger dos outros animais.
Mas o tempo passou e os humanos se agrediam, matando uns aos outros mais do que os animais o faziam. Então Zeus mandou um complemento do presente, última chance para não desaparecerem como espécie : mandou Hermes, o Deus mensageiro, lhes trazer a justiça. E ordenou que ela fosse igualmente distribuída entre todos e que aqueles que não a respeitassem seriam excluídos como um flagelo, pois assim ameaçavam a sobrevivência de todos.
Marly N Peres