Você deve estar se perguntando por que falamos tanto sobre Direito, sob o guarda-
chuva da Filosofia.
Por uma razão muito simples : o Direito não existiria, na forma como o
conhecemos e concebemos, sem suas raízes profundamente mergulhadas na
ciência primeira, a Filosofia.
Não se trata do arcabouço, ou da estrutura, trata-se da noção sutil e determinante,
que forjou o império da lei. Essa noção é a noção de liberdade.
No século V antes de nossa era, um punhado de homens tomou consciência, ao
entrar em contato com o invasor persa (o Iraque de hoje) de serem diferentes
daqueles adversários. Diferentes na base, pois os persas obedeciam a um
soberano absoluto, diante do qual se prosternavam e que temiam. Ao passo que
eles, os gregos, tinham uma relação diferente tanto com suas divindades, quanto
com seus líderes.
Esses homens livres se bateriam ferozmente contra a servidão, por um princípio de
vida, que definiu a originalidade fundamental daquela civilização, legado
incomparável e precioso.
Os gregos não tinham sequer uma estrutura hierarquizada de sacerdotes a quem
obedecer (a não ser em poucos cultos especiais). Eles não tremiam diante da
vontade divina, como os pobres persas, já que a vontade divina era compartilhada
entre muitas divindades. Era equilibrada. Ora, essa noção de equilíbrio seria
central na formação da democracia.
Exemplar é o diálogo que, em Heródoto, opõe Xerxes (um persa) a um rei grego :
esse rei anuncia a Xerxes que os gregos não cederão porque a Grécia se lutaria
sempre contra a servidão a um mestre. “Ela lutará, diz ele, qualquer que seja o
número de adversários. Pois se os gregos são livres, eles não são livres em tudo –
eles têm um mestre, a lei, que temem muito mais do que teus súditos te temem.”
Opunham-se ali duas formas de civilização. O contraste entre dois povos. Entre
dois modelos, que subsistem até hoje e dispensam comentários, os governos
teocráticos e os democráticos.
Marly N Peres