Há algum tempo desenvolvo a seguinte hipótese de trabalho : a cultura jurídica é
indispensável para conhecer e compreender a História da Filosofia, em especial a
filosofia política. A História do Direito como chave heurística da História da Filosofia.
Rousseau, por exemplo, no início de seu “Contrato social”, escreve “eu sempre tentarei
aliar nesta pesquisa o que o direito permite com o que o direito prescreve, a fim de
que a justiça e a utilidade não se encontrem divididas”. Sem dúvida, como lemos em
diversos filósofos, ele se refere a Grotius e ao utilitarismo, em sua crítica. Porém,
acima de tudo, ele está quase citando o início do Digesto, onde há a definição do
Direito dada por Celso : a arte do bom e do justo.
Montaigne, outro exemplo, escreve um ensaio nomeado “Do útil e da honestidade”.
São os mesmos termos do Digesto! Ele os relê a partir do livro Dos deveres, de
Cícero, e os critica formulando sua versão da famosa raison d’état (salus populi).
Que dizer do conflito entre os Glosadores, os Comentaristas e os Humanistas ? Sem
sua recepção e seu trabalho sobre os textos romanos, Puffendorf, Bodin (que era
jurista) e Montesquieu seriam impossíveis.
Ao lermos filósofos falando sobre os filósofos políticos, muitas vezes perdemos os
elementos jurídicos; ao lermos juristas falando sobre os filósofos políticos, perdemos
o rigor. Como conciliar estes elementos é o desafio.
Algumas obras auxiliam este empreendimento : Diego Quaglioni deu um curso na
Sorbonne há pouco tempo relendo a noção pré-moderna de justiça pela ótica da
história do Direito, Michel Villey, da mesma forma, lê a História da Filosofia como
historiador do Direito.
Será que depois de tanto tempo da Filosofia explicando o Direito (Gadamer’s,
Austin’s, e afins…), não é chegada a hora de o Direito explicar a Filosofia ?
Rafael Tubone Magdaleno