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Supra-humano

A música “Super-homem, a canção”, de Gilberto Gil, me lembra uma outra, “Pedaço de mim”, que abordo em Cara-metade, onde conto um mito sobre esse tema.

Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria
Que o mundo masculino tudo me daria
O que eu quisesse ter

Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara
É a porção melhor que trago em mim agora
É a que me faz viver

Quem dera pudesse todo homem compreender, ó mãe, quem dera
Ser o verão o apogeu da primavera
E só por ela ser

Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um deus o curso da história
Por causa da mulher

Mas esta acima, sobre o super-homem, remete direto a Nietzsche e a um tema muito caro a ele – a construção do Supra-humano.
Nietzsche nunca falou em super-homem. Esse é um erro de tradução grosseiro e por vezes mal-intencionado. 

O Supra-humano prenuncia a bela proposição de Simone de Beauvoir, quando ela nos ensina que não nascemos mulher, nós construímos a mulher.

Exatamente da mesma forma como se nasce fêmea (ou macho) e sobre essa base se constrói uma mulher (ou um homem), assim também – diz Nietzsche – se nasce humano e sobre essa base se constrói (ou não) o que vai além do humano. Belo e simples como um conceito bem pensado e expresso.

Ou seja, o Supra-humano é a construção de toda uma vida. Até porque nele está contida a ideia de Aristóteles, de atualização. Conhecida, em Filosofia, como “passagem de potência a ato”. O que anula a doutrina do criacionismo e seria confirmado muitos séculos depois pela teoria da evolução das espécies.

“Eu falo do Supra-homem. O homem só existe para ser ultrapassado.
O que vocês fizeram para ultrapassá-lo ?”    Friedrich Nietzsche

Potencialmente, todos contemos o que somos e o que seremos. Cada pessoa é determinada biologicamente, mas isso não se estende ao indivíduo. O indivíduo é uma construção.

Da mesma forma, uma flor contém a semente que vai desabrochar em forma de flor. Mas de uma semente de melancia só brota uma melancia e de uma semente de jaca só brota uma jaca, potencialmente aquilo é o que cada semente contém.

Podemos afirmar que potência = aquilo que é possível. Em pé de jaca não brota melancia e o inverso é verdadeiro.

Passar de potência a ato (Aristóteles) = atualizar, tornar atual, presente.

Esse Supra-humano é animado pela mesma força que anima a flor que se espreme numa fresta e brota para a luz. Quando digo animado, é no sentido literal – movido de dentro para fora, numa paixão de tudo e de si mesmo, como disse Vinícius de Moraes em seu “Soneto do maior amor”.

O conceito de Nietzsche fala justamente dessa força que se expressa de dentro para fora e faz brotar uma flor – por vezes, na fresta de um muro, no vão de dois paralelepípedos – como disse também disse ele, Vinícius de Moraes, em seu “Minha terra tem palmeiras” : “Por que será que só no Brasil brota capim de entre os paralelepípedos ? ”

Enquanto houver vida, há capacidade de atualização, há vontade de potência. E não vontade de poder, como dizem as más traduções.

O que Nietzsche escreve é um verdadeiro manual de uso do supra-humano, do ultrapassamento : ele nos diz para ficarmos em pé, eretos. Nada de viver de joelhos diante de uma lenda, qualquer que ela seja, qualquer que seja a idolatria !  Muita gente não gostou e não gosta disso.

Veja Cabeça erguida e O sonho da imortalidade, aqui neste Blog.