A palavra Google foi calcada em cima do termo “googol”, que designa o número 1100, ou seja, o número 1 seguido de 100 zeros ; ele não tem um significado especial na matemática, mas é útil quando comparado a outras quantidades muito grandes ; outros nomes para o “googo”l incluem dez duotrigintilhões em pequena escala, dez mil sexdecilhões em longa escala ou dez sexilhões em grande escala.
Essa é a missão à qual se propõe o Google : organizar as informações em escala mundial para torná-las acessíveis a todos ; missão declarada, oficial.
No canto XII da “Odisseia”, quando fala das sereias, Homero diz que ao tentar seduzir Odisseu (Ulisses) elas prometem a ele conhecimentos sem fim – do que já passou e de tudo o que existe – o conhecimento total ; nada mais, nada menos do que aquilo que promete hoje o Google : a desmedida, o exagero da informação, tudo ao alcance num clic.
A mesma desmedida do “Fausto”, de Goethe, a mesma do “Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde.
Sobre outros desdobramentos, veja Reter o tempo e GAFAM, neste Blog.
Marly N Peres
O que se esconde por trás das facilidades e recursos do Google ? É Homero quem ensina a entrever o perigo : Odisseu (Ulisses) precisa ser amarrado ao mastro do navio para não ceder à tentação à qual nós cedemos, de querer matar a sede de saber sobre tudo, em todas as épocas e controlar esse conhecimento todo e ter o poder de transmiti-lo.
O problema é que para divulgar todas as informações, é preciso hierarquizá-las ; essa atividade de coleta de dados é interessante, mas perigosa, ela enfeitiça e ao mesmo tempo é mortífera, pois o Google sabe mais de nós do que qualquer pessoa de nosso círculo íntimo. Muito mais.
E somos nós que entregamos – de graça, todos esses dados pessoais tão preciosos, pelas buscas que fazemos ; é assustador, pois atualmente o Google já disponibiliza o sequenciamento de DNA – ou seja, pede singelamente que forneçamos a ele o acesso (gratuito) aos nossos genes !
O Google é uma sereia dentre outras, nos seduziu com a promessa de oferecer o que na verdade já pratica : saber tudo sobre todo mundo – e controlar tudo.
E quem é esse gigante, a imagem mesma da desmedida ? Do que somos prisioneiros ?
Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft sãs as empresas que deram origem à criação da sigla GAFAM, a ponta de lança de uma abordagem agressiva e perigosa.
Por exemplo (mas não só), em 2019 elas se reuniram num pool que abriga 17 empresas (todas americanas) que são a base de sustentação e exploração da moeda virtual Libra – algo tão desmesurado, que autoridades da União Europeia já alertaram para o perigo que é sinônimo de ameaça explícita ao Estado-Nação (o Estado-Nação é a forma pela qual as sociedades se organizam, sob o comando de um governo instituído que estabelece suas políticas ; os mecanismos de controle são as instituições legais e um exército permanente).
A criptomoeda é um dinheiro que não existe, uma moeda que não existe, criada por um grupo de instituições privadas supranacionais, não vinculada a um Banco Central ou a um órgão regulador, sem fiscalização : ou seja, uma moeda soberana, um sistema autônomo e paralelo que pode assumir proporções perigosas.
O poder supra-nacional desses gigantes americanos é tal que a Dinamarca nomeou o 1º embaixador de tecnologias do mundo, para lidar com Google, Apple e Facebook ! “Nossos valores, instituições, democracia e direitos humanos estão sendo colocados em xeque o tempo todo, graças ao surgimento de novas tecnologias. Essas empresas deixaram de ter apenas interesses comerciais e passaram a agir como verdadeiros atores da política externa”, declarou Casper Klynge.
E não é só isso : essas mesmas empresas sonegam impostos nos países em que ganham zilhões de dólares, ludibriando o fisco a ponto de o Google ter perdido em meados de 2019 um processo bilionário na Justiça Francesa ; tão importante e tão bilionário que essas empresas todas, diante da ameaça de jurisprudência, propuseram um acordo à União Europeia. A contrapartida para não se processar todas elas é a criação de um modelo internacional de recolhimento de impostos, que esses gigantes têm sonegado.
E tem mais : um processo coletivo, de autoria principalmente de juristas, foi aberto em 2019 para levar aos tribunais internacionais o Google, a Tesla, a Apple e a Microsoft por uso e exploração e mão-de-obra infantil nas minas de exploração de cobalto no Congo, e também pelo grande número de mortes dessas crianças ; o cobalto é indispensável para a fabricação de baterias de celulares, computadores e outros aparelhos, e o Congo detém 60% das reservas mundiais desse metal ; além de usar crianças para trabalhar nas minas, elas são extremamente mal pagas (recebem em média 0,5 dólar por dia) e morrem como moscas, pois com frequência acontecem desabamentos de minas.
O Facebook é multado repetidamente por compartilhamento – leia-se venda, de dados dos usuários ; até no Brasil, em dezembro de 2019 Sergio Moro determinou que se multasse o gigante das redes sociais.
Sobre outros desdobramentos, veja Reter o tempo e Canto das sereias, neste Blog.
Marly N Peres
Aquiles encarna a figura do guerreiro que escolhe a imortalidade na glória – ambas divinas – em vez de uma longa vida prosaica. Mas é uma escolha.
Claro que todos nós gostaríamos de reter o tempo : filósofos como Descartes e Voltaire afirmaram que o verdadeiro poder é o domínio do tempo. E o tempo e a duração da vida no tempo são um símbolo que a religião monoteísta vende há séculos como promessa e o Google vende agora como mercadoria.
O que me faz pensar no enigma da esfinge que afligia a cidade de Tebas, na Grécia. Ela dizia a frase que ficou famosa, decifra-me ou te devoro, e perguntava : Que criatura tem 4 pés pela manhã, ao meio-dia tem 2 e à tarde tem 3 ? E estrangulava quem não conseguisse responder – daí a origem do nome esfinge, que em grego sphingo significa estrangular.
Isso até que Édipo conseguiu decifrar e respondeu : O homem, pois engatinha na infância, anda ereto na idade adulta e necessita de bengala na velhice.
A promessa de juventude eterna pode parecer sedutora, como um canto de sereias, e ela se desdobra em 2 (por enquanto) : viver por muitas décadas mais e ter aparência sempre jovem. Sem as marcas do tempo que enobrecem homens, mas parecem ser proibidas em mulheres, cada vez mais parecidas com clones, em certas sociedades.
Sobre outros desdobramentos, veja GAFAM e Canto das sereias, neste Blog.
Marly Peres