A frase de Sartre “O inferno são os outros” já deu margem a muito mal-entendido. Muita gente vê nela uma releitura da frase de Hobbes, “O homem é o lobo para o homem” (comentada aqui no Blog, rubrica Animal lupino).
Mas não se trata de uma guerra de todos contra todos, e sim de um drama de consciência. Isso acontece quando a pessoa se dá conta de estar exposta ao olhar dos outros.
No final da peça Huis clos (Entre quatro paredes), o personagem Garcin diz o seguinte : “Todos esses olhares que me devoram. […] Nem é preciso um grelhador, o inferno são os outros.”
O inferno é nunca escapar do julgamento alheio. Descartes nos acostumou à ideia da consciência solitária, íntima. Um refúgio impenetrável, soberano, uma espécie de paraíso. E o inferno é perceber que não temos segredos, que não vivemos voltados sobre nós mesmos, isolados, e sim que tudo se revela, que tudo é transparente.
Ateu, no Ser e o nada (L’être et le néant) Sartre dá o exemplo do que para ele é a “queda”, o “pecado” original : se eu espionar alguém pelo buraco da fechadura e for surpreendido, é o olhar do outro que confere significado ao meu ato. Minha “queda” é a existência do outro, que faz de mim uma coisa, um objeto no mundo.
Marly N Peres